quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Amiloidose e o Fígado

Dr. Stéfano Gonçalves Jorge

Introdução

A amiloidose é uma doença rara ( afeta oito em cada 1 milhão de pessoas ), progressiva e geralmente incurável, que ocorre quando há acúmulo, ao redor dos vasos sangüíneos, de pedaços de proteína dobrados em uma configuração altamente estável ( em folhas de pregueamento "beta" ). Essas proteínas são produzidas na medula óssea em conseqüência a uma série de doenças, o que torna a amiloidose não uma doença em si, mas uma manifestação de outra doença.

Como essas proteínas ( que variam de acordo com a causa ) são muito estáveis, vão se depositando em um ou mais órgãos, podendo comprometer o seu funcionamento e, em casos mais graves, morte. Os órgãos mais afetados são o coração, rins, trato gastrintestinal e sistema nervoso central, mas pode afetar também língua, músculos, pele, ligamentos, articulações, baço, pâncreas e, claro, o fígado. A amiloidose ocorre com a mesma freqüência em homens e mulheres, geralmente após os 40 anos de idade e, se não tratada a causa, evolui para o óbito em 1 a 2 anos após o diagnóstico ( mas depende muito da causa e gravidade da doença ).

Tipos de Amiloidose

Há três tipos principais de amiloidose, a primária, a secundária e a genética.

A amiloidose primária (AL) é a mais comum, aonde a proteína amilóide é um fragmento da cadeia leve de imunoglobulinas ( proteínas que fazem parte do sistema imunológico ), que é produzida em excesso por células imunológicas. Geralmente está associada a uma doença da medula óssea, o mieloma múltiplo. O acúmulo de amilóide geralmente afeta o coração, rins, pulmões, pele, língua, nervos e intestino.

Na amiloidose secundária (AA), a proteína depositada é chamada de amilóide sérico A e é uma proteína produzida pelo fígado em resposta a processos inflamatórios. Por esse motivo, essa amiloidose é observada em pessoas portadoras de doenças inflamatórias sem tratamento adequado por mais de uma década, especialmente doenças inflamatórias intestinais ( Crohn e retocolite ulcerativa ), artrite reumatóide, osteomielite, tuberculose, hanseníase e outras doenças.

A amiloidose hereditária é muito rara e ocorre quando uma mutação genética leva a produção de uma proteína amilóide ( transtiretina, proteína beta-amilóide P, apolipoproteína A1, procalcitonina e beta-2-microglobulina ). A identificação da proteína envolvida é importante para prever suas possíveis complicações, tratamento precoce e risco de transmissão para os filhos.

Sintomas

Como as proteínas amilóides só foram identificadas recentemente, os estudos sobre sintomas da amiloidose tratam todas como uma proteína só. Com o avanço nos próximos anos, poderemos diferenciar mais adequadamente os sintomas dependendo da causa.

Sinais e Sintomas da Amiloidose

Primária

Doença cardíaca e arritmia

Doença renal, incluindo insuficiência

Distúrbios gastrintestinais, como perfuração, sangramento, dismotilidade e obstrução

Aumento do fígado (hepatomegalia)

Redução na função do baço

Insuficiência da adrenal e outras glândulas

Neuropatia, levando a impotência, problemas gastrintestinais e hipotensão ortostática (quando se levanta rapidamente)

Síndrome do túnel do carpo

Alterações neurológicas, como espessamento, mudança de cor, púrpura ao redor dos olhos

Aumento na língua, dificuldade respiratória e apnéia noturna

Doenças pulmonares

Inchaço nas articulações dos ombros

Facilidade de sangramento

Secundária

Doença renal, incluindo insuficiência (causa do óbito em 40-60% dos casos)

Aumento do fígado (hepatomegalia)

Aumento do baço (esplenomegalia)

Doenças cardíacas (mais leve que nas outras amiloidoses)

Hereditária

Distúrbios do sistema nervoso

Distúrbios gastrintestinais, como diarréia e perda de peso

Doenças cardíacas

Doença renal

Em geral, a pessoa tem queixas antigas de fadiga, perda de peso, edema (inchaço) nas pernas e falta de ar antes do diagnóstico. Podem ainda apresentar sensibilidade diminuída nos dedos, diarréia, empachamento após alimentação, aumento na espessura da língua e tonturas ao se levantar.

O fígado costuma estar aumentado (hepatomegalia) pela deposição dos amilóides, mas isso raramente chega a prejudicar a sua função. Algumas vezes surge ascite, mas ela também está associada a insuficiência do coração e perda de (outras) proteínas pelos rins (síndrome nefrótica).

Diagnóstico

Após a suspeita clínica, pode ser realizada a pesquisa de amilóides de cadeia leve no sangue ou urina, que serve como exame de rastreamento. Depois disso, são realizadas biópsias de gordura subcutânea, mucosa retal e/ou medula óssea para confirmação diagnóstica. Em alguns casos, é necessária a coleta de biópsia do órgão afetado. Essas biópsias mostrarão o acúmulo da proteína amilóide.

No fígado, além da hepatomegalia observável ao exame físico e de imagem, a biópsia revela birrefringência esverdeada no espaço de Disse após coloração com o vermelho Congo e atrofia hepatocelular (por redução do transporte de nutrientes e oxigênio). Como geralmente há alteração de coagulação (anormalidades vasculares, plaquetopenia, redução de fatores IX e X que se ligam às proteínas amilóides), não recomenda-se a realização de biópsia do fígado.

Tratamento

Não há cura para a amiloidose. Os objetivos do tratamento, a partir do diagnóstico, são reduzir ou diminuir a produção do amilóide, eliminar depósitos, aliviar ou curar a doença de base e tratar as complicações decorrentes pelos depósitos nos órgãos acometidos.

Diversas drogas estão sendo utilizadas em situações específicas, como melfalan, prednisona, colchicina, talidomida, dexametasona e outros, mas com resultados limitados.

No caso da amiloidose hereditária com produção de transtiretina, por exemplo, essa proteína causa lesões neurológicas e cardíacas fatais, mas é produzida no fígado e a realização de transplante hepático é capaz de prevenir essas complicações.

Em casos selecionados, a quimioterapia seguida de transplante autólogo de células-tronco da medula óssea traz bons resultados.

Bibliografia

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